terça-feira, 31 de maio de 2011

Mata! Mata!

É incrível o que um pequeno sítio - a small village - como Beja tem para oferecer, quando o sabemos aproveitar. Basta olhar à volta: esquinas em profusão, apesar de tudo algumas árvores - sim, são precisas muitas mais a ladearem os passeios, pois já me aconteceu andar de bexiga apertada sem ter onde marcar território, e bem precisaria, para garantir a sinalização de regresso a casa.

Ontem, depois da refeição e de um breve sono reparador,  quando o meu  querido pajem me quis apresentar à vizinha  do lado - uma típica velhota dos gatos, dessas rijas,  que duram 100 anos e enterram três maridos, capazes de nos perscrutarem a alma e entenderem o cerne da nossa identidade animal - esgueirei-me pelo portão em busca de libertina  e necessária vadiagem, deixando para trás gritarias de desespero. (Dele. Ela ficou estranhamente quieta - e creio que sorria.)

Corri o mais que pude e fui ter a um pardieiro de cardos e de juncos secos  - um cenário de devastação pronto para uma filmagem de campo de batalha da  II Guerra: tratava-se da Mata (lá está:  «fere! MATA! morre!») chamada dos Alemães. Acabei comovido, pensando que eles (os alemães) também se hão-de render a esta singela homenagem que a população de Beja presta à Chanceler Ângela, um vosso Anjo da Guarda, capaz de evitar as diatribes dos vossos líderes, segundo me consta. Abandonei o sítio a quatro patas quando percebi que aquilo era um berço de carraças - sugadouras impiedosas do nosso sangue, e fiéis depositárias das mais perigosas doenças, algumas mortais.

Atravessei uma rua e dei de caras com uma espécie de acampamento cigano - isto é: com roupas estendidas, vário lixo espalhado, uma ou outra decoração mobiliária ao ar livre, restos de fogueiras, mulheres gesticulando, homens gritando, crianças em desalinho - mas sem acampamento, o que prova, por um lado, a adaptação destes Gipsy Kings à cultura do cimento, e, por outra, nos dá  uma dimensão da  sã convivência multicultural, tão apregoada pela agonizante civilização que tem consentido a defesa do manifesto da integração e tolerância em sentido único. Em tempos, também tivemos disso, lá na nossa Grande Ilha.

Pus-me a milhas (pois, traduzam lá isso para metros) quando um miúdo de sorriso premonitório -  decerto com as melhores intenções - se aproximou de mim com uma corda na mão.

Passei por uma piscina coberta - mas afastei-me rapidamente, que os eflúvios de cloro são veneno para um narizinho como o meu - e entro então num terreno baldio sem qualquer interesse - e que, estranhamente, estava impregnado de cheiros de urina e fezes de... leão!!!!  Mas... há leões em Beja? Alguém me avise, por favor, seria bastante desagradável dar com um na volta de uma esquina!

Este terreno - árido e triste como um discurso pré-eleitoral - impedia-me, através de umas redes ostracizantes, de cheirar, pisar e saltar por cima do fresco verde de uma relva  bem tratada, onde  meia dúzia de homens vestidos de rapazes corriam - invectivando-se uns aos outros com nomes e expressões que me inibo, por pudor canino, de revelar - atrás de uma bola, como se fossem estouvados cachorros de seis meses. Ao lado, atrás de outra rede - grrrr!... -  aqueles que pareciam ser os seus pais,  fixavam, numa obsessão delirante -  com uma excitação que me remeteu para  um pitbull do West End, de nome Golias, cujo permanente cio o escravizava de tal modo que acabou por morrer de exaustão copulatória -  minúsculas  imitações de bólides de Fórmula 1, que, por sua vez, zuniam no ar como insectos invasores de um daqueles filmes apocalípticos que as famílias, reunidas na paz do lar, tanto gostam de partilhar nas doces tardes de domingo.

Fiquei a perceber então, por associações que o meu estimado cérebro conseguiu fazer, que estas actividades humanas - corridas com bola, corridas com carrinhos, e sofá com filmes de terror - se enquadram numa vasta e importante área de actuação humana, denominada DESPORTO.

E foi com esta reflexão que cheguei à desinteressante Mata das Merendas. Penso, no entanto, assinalar este sítio no Google Maps para preciosa informação de companheiros errantes, pois reparei que haverá sempre uns restos de pão ou de galinha semeados em volta das mesas de pedra; há também  fartura de água  - e é tanta a que corre da torneira que há quem lhe dê o bom uso da higiene automobilística (sim: para que é que a água há-de ficar nos canos?) formando, aqui e ali, as necessárias poças para que quem não dispõe de dedos gigantes que agarrem e façam girar as torneiras - como nós, animais de patas - lhes dê  o outro uso - menor, eu sei - de acalmar a sede.

De Mata em Mata, chego, finalmente, à... Mata (Uauf!... é uma mania bejense, esta, da repetição toponímica) .

A Mata é óptima para travar conhecimento com os bípedes nativos que andam por ali aflitos, fugidos ainda não percebi de quem, mas de algo muito ruim há-de ser, pois apesar do sofrimento ofegante, não param, nem sequer olham para trás, para o seu perseguidor. Fiquei alerta - e  passei a vigiar discretamente os costados,  atento ao mínimo ruído suspeito - não fosse também ter de começar a correr de algo ou de alguém.

(to be continued)


segunda-feira, 30 de maio de 2011

acertei!

Acertei no meu pajem! É um macho sénior (sem, portanto, os devaneios próprios da juventude), com boas pernas (essencial para passeios) boa dentição (a saúde acima de tudo) e, sobretudo, boa alma (vê-se, na aura) . 

Pois ao ver a megera que me queria enxotar de evento público - o Festival de BêDê de Beja, lembram-se? - tentou acalmar-me, dando-me umas festas no pescoço. Eu estava furibundo - continuava a rosnar à adolescente enraivecida e ela media forças comigo - e a minha primeira reacção - impensada - foi fincar-lhe os dentes nos dedos, a ele, que nada tinha a ver com o assunto; ao grito de dor, larguei a presa inocente e olhei-o nos olhos em 45/45: resulta sempre com as boas almas.

A rotação 45/45 é uma técnica de translação da cabeça em 45º para a frente e na diagonal, seguida de rotação de 45º. Deve ser realizada sentado. Ficamos assim, com ar de cachorro meio abandonado meio inquiridor, como se o outro decidisse da nossa sorte nesse instante - e, até hoje, não encontrei ninguém que resistisse a esta atitude - à excepção da  Margaret, com quem estabeleci em tempos uma cruzada de encontros aparentemente fortuitos, na altura em que sonhava viver em palácios com mordomias - mas todos sabemos  que essa dama de ferro tinha um coração de aço.

Ainda não percebi bem a ocupação deste meu pajem, nem como se chama. É um ser solitário, e isso agrada-me. Levou-me para sua casa, na cintura de Beja -  mas já verifiquei que, aqui, tudo fica muito próximo, as distâncias entre pontos do perímetro da cidade não se comparam nem sequer a uma avenida londrina.

Casa simpática, um daqueles edifícios modestos que aqui se chama de moradia, muito parecido com os que a Grã-Bretanha construía no meio da selva para os nativos da África do Sul; deu-me banho e comida.

Do banho de água fria não pude fugir, mas terei de o fazer perceber que o próximo não poderá ser no terraço, à mangueirada (embora com shampoo amaciador com cheiro a pêssego): a banheira e a água quente canalizada são expoentes da civilização romana que aprecio e que julgo não terem ainda caído em desuso.

Em relação à comida, tive de me refrear, apesar da fome. Há coisas em que não podemos transgredir nem um milímetro, temos de ser firmes se queremos manter o nosso pajem educado. Evitei salivar quando vi os pedaços insossos de comida seca na tigela, e deitei-me ali mesmo no chão, com os olhos fechados, como se estivesse à beira do desfalecimento. Ele resmungou qualquer coisa e saiu de casa. Voltou pouco depois, com três latas de pedaços húmidos industrialmente tratados - nomeadamente soja, decerto transgénica, com aditivos olfactivos de fazer salivar um leão - mas, ainda assim, tive de lhe mostrar que, em relação à comida, não pode haver meias medidas: somos também aquilo que comemos, e a tolerância para a fast-food é zero.  

Cheirei, procurando conter-me para não devorar, de imediato, a lata inteira, deitei-lhe um olhar de misericórdia e voltei costas. Fui deitar-me no sofá, território de que me apropriei - após a desistência do meu pajem em me sacudir ao quinto assalto - como vêem, foi fácil mostrar-lhe quem manda, nas situações de que depende a nossa qualidade de vida.

Ele ainda aproximou a tigela do meu nariz, no sofá, a voz dele agora era adocicada, quase melodiosa, mas, como acontece frequentemente aos seres humanos que são contrariados nas suas expectativas mais evidentes, passou para um tom rouco, como se rosnasse, e depois seguiu o protocolo esperado: da ameaça passou aos gritos, ainda de tigela na mão, depois à agressão física, enfiando-me o focinho na papa, cujo cheiro me ia levando à loucura - «deliciosos pedaços húmidos de coelho», penso eu - para passar depois à depressão, cambaleando, melancólico, pela sala - sempre de tigela na mão - e, finalmente, para o arrependimento, sentando-se, com um suspiro, a meu lado. 

Eu, impávido, de olhos revirados - como o mártir São Sebastião, recebendo as flechas da injustiça, da prepotência e da ignorância humanas.

Finalmente: deu-me uma festa na cabeça que desceu pelo pescoço e costas. No meu ouvido interno soaram, triunfantes, as trombetas de uma vitória anunciada.

Só descansei, no entanto, quando ele voltou a sair porta fora, e o vi, pela janela, para onde me esgueirei, curioso,  chamar os gatos da vizinhança, que acorreram, em miados operáticos, para o repasto inesperado. 

Sempre ouvi dizer que a Educação é o bem mais valioso de todas as sociedades, e que o investimento nesta área nunca deve ser descurado, nem sequer em tempos de crise. Este investimento exige paciência, dedicação e esforço para atingir os objectivos que têm de estar claramente definidos, sem azo a dúbias interpretações. O episódio de hoje com o meu pajem é a demonstração viva de que se atingem resultados francamente positivos quando não se transige com a mediocridade ou a suficiência. E, nesta área, vocês, portugueses, deveriam aprender com os britânicos.

A prova deste sucesso está na tigela repleta de fígados de galinha com arroz que tenho à minha frente, a esfriar de uma cozedura branda. Uauf!... estou exausto... mas o meu pajem alentejano vai lá. É um pouco tosco mas...

... I like it!

God Save the Queen and keep us fed and clean!



domingo, 29 de maio de 2011

Splaft!

Sorry não ter dado notícias ontem, mas encontrar um pajem tornou-se prioridade. Afinal, o sol do Alentejo parece uma miragem da publicidade enganosa da agência que me trouxe cá, chove e venta, a temperatura desceu, a fome cresceu, e tornou-se mesmo imperioso arranjar malga e tecto.

Farejei até onde havia um aglomerado de gente. Encontrei os bípedes em volta de livros e cadernos cheios de figurinhas - umas mais direitas que outras, algumas de pôr os olhos em bico mesmo a um rafeiro como eu -  circulando num edifício assaz estranho, assim a atirar para o modernaço, um misto de estabelecimento prisional e centro comercial de subúrbio, a que ouvi chamar Casa da Cultura. 

Well, não me pareceu lá muito alta, esta casa para a Cultura.

Mas aquilo estava medianamente animado - muitas pernas entre os discursos iniciais (fiquei a pensar se a brevidade de flash das intervenções inaugurais será qualidade nesta região onde o gerúndio estica o tempo como nunca tinha visto antes nas minhas deambulações geográficas) as tee-shirts, os postais chineses, os comics, as mangas, as tiras, os rascunhos, as mesas e cadeiras. Gente simpática, ao princípio ninguém me enxotou com bengala ou pontapé, e a provar a tolerância multicultural até estava lá um tipo com nome de catedral muçulmana a dar o seu sinal, a que chamam de «autógrafo».

Inspirado, resolvi também dar o meu sob a forma bem mais prosaica de mijadela, alcei a perna para outra perna - a da mesa que funciona como expositor, e cai-me violentamente, em cima das orelhas, um Splaft! voador, que se estatelou no chão fazendo exactamente Splaft! - e ficou a agonizar no chão, aberto numa página que dizia  É preciso seguir os sonhos..., assim, com reticências e tudo.

Olhei para quem me tinha feito aquilo e reconheci no olhar sorridente de uma criatura jovem, do sexo feminino, a perversidade que já há muito tempo aprendi a ler nas pupilas dos humanos.

Rosnei-lhe - que eu também sei ser, quando é necessário, flor que não se cheire - ela pôs-se a zurrar «xô! xô!», e ficámos nestes preparos, a medir forças, ela de voz estridente, eu de dentuça arreganhada - mas ainda tendo na mente as palavras É preciso seguir os sonhos agora sem reticências e, exactamente no momento em que ia dar o impulso para assentar os maxilares numa barriga da perna bem torneada de chicha - recordem-se que tinha fome, muita fome, e, embora haja quem defenda que as actividades culturais se devem realizar de barriga vazia, eu já tinha a minha cota-parte de cultura faminta - alguém me pôs a mão sobre a cabeça, numa festa sincera mas firme.

Parei, surpreso, e olhei para cima. Estava salvo: encontrara o meu pajem.

I like it!
God Save the Quen and keep us fed and clean!

sexta-feira, 27 de maio de 2011

virtudes do ócio

E... cheguei! Cheguei ao centro nevrálgico de Beja ainda ontem, dia cinzento, pelas minhas quatro patas. Entrei na Praça da República como um conquistador. Mas o sítio estava vago, sem público ou trombetas para me receber (embora estivesse erguido um palco - que, de animações callejeras percebo eu). Encontrei a Fifi, uma distinta bastarda de pequeno porte, a desafiar-me aos pulos e com latidos estridentes, com quem simpatizei logo. 

O chão desta Praça é coberto por umas lajes brilhantes enormes - e percebi logo porquê.  A Fifi explicou-me que, por baixo, há uma civilização ancestral enterrada. Fiquei emocionado por este assinalar da memória , através da junção destas múltiplas lápides funerárias. E, depois, quando chove - como ontem - é possível aos nativos exercerem a patinagem sem patins, correndo de um lado para o outro e deixando-se escorregar. Com a Praça solenemente fúnebre e, ao mesmo tempo, puxando à diversão, eu e a Fifi aproveitámos logo a possibilidade da patinagem, até ficarmos com os bofes de fora. Só nos acompanhou nesta loucura, a determinado momento, um trípede velhote (dois pés e uma bengala), pouco dotado para a brincadeira, pois estatelou-se logo no chão e ali ficou, sem conseguir levantar-se, a estrebuchar.

Como há muito tempo que não me passa um pouco de carne pelas beiças, aproveitei para matar saudades - sim, nós, os londrinos, não somos pedras insensíveis, também temos disso - e saltei-lhe em cima para lhe lamber, bem lambuzada, a cara. O homem ficou, pareceu-me, à beira da apoplexia, grunhindo, ofegante, no chão brilhante, e tentando sacudir-me. Felizmente, aquele centro do poder local de Beja continuava esvaziado de gente, e pude continuar a passar-lhe a língua pelas carnes secas - sem grande sabor, convenhamos.

Ainda há pouco, depois de um sono reparador sob as arcadas de uma simpática casa de habitação, pude verificar esta certeza: às 7:30h da manhã, em Londres, faça chuva, granizo ou sol (raro), nós, os canídeos livres, temos de ter cuidado com as centenas - senão milhares - de pernas, botas, sapatos e sapatilhas que transitam, em passo firme, para qualquer lado - eles lá sabem para onde, eu isso nunca percebi.

Aqui, tudo é diferente: a essa hora, o único que se atrevia a cruzar a Praça foi um gato  magricelas riscado, a quem, em nome de instintos ancestrais que começam agora a vir-me ao de cima, dei uma corrida vigorosa (não corria atrás de um felino desde os meus tempos de adolescente, quando, ainda parvamente, procurava pertencer a essa legião que abanava o capacete à frente do Ministry of Sound). Ainda agora se encontra em cima da árvore para onde trepou, e claro, de onde não consegue descer. 

I miss Fifi - recolheu-se a casa ontem ao anoitecer - para partilhar em pleno esta dupla vitória: cheguei, vi - e venci!

Sinto que estou no sítio certo: uma espécie de campo com umas casitas aqui e ali, as gentes recolhidas nas suas casotas. Para uma cidade de campo faltam-lhe árvores - mas a Fifi segredou-me que, para muita gente de duas pernas, elas são um inimigo a abater: as raízes levantam passeios, as folhas caídas enervam os diligentes proprietários dos carros - e, pior que isso, as árvores fazem lembrar, à maioria dos habitantes, as freguesias rurais de onde fugiram como o diabo da cruz em busca de empedrado, comércio chinês, água canalizada e televisão por cabo. É natural. Ainda vai levar algum tempo até que os filhos destes novos citadinos lhes atirem com os vasos de flores das novas varandas à cabeça, enquanto reclamam o património rural que já não existe - e, acreditem, isso vai acontecer.

O ar do campo revigora-me. Tenho fome. Lá terei de arranjar um pajem - alguém que me vá buscar comida e me dê umas festas no pêlo, de vez em quando. Tem de ser bem escolhido. Não quero nem uma carraça que me siga para todo o lado, nem uma pulga tonta saltitante que se esqueça de mim.

Vejo a Fifi! Será isto amor de festival?

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God Save the Queen and keep us fed and clean!


quinta-feira, 26 de maio de 2011

o sentido das coisas parece ir ao contrário, por cá

Tenho um ouvido apurado - e é o que me tem safado, desde que me pus a patas em direcção a Beja, com os condutores em alucinações de um Schumacher, ainda por cima todos, todos em contra-mão.

Gostava de vos ver súbditos de SS. MM., a terem de se explicar aos Bifes. Qual eu não vi senhor polícia tenho a filha doente no hospital, a unha do dedo gordo do pé direito encravada no acelerador, qual atitude pedagógica (senhor condutor veja se para a próxima põe um pouco de vaselina na unha tome lá um cartão da pedicura da minha mulher e a sua filha se está no 2º andar está muito bem entregue, descanse, o meu sobrinho que ainda é enfermeiro por cá mas já meteu os papéis para Londres, diz que só tem pena de ficar sem as sobras que deixam os pacientes do 2º, é um jeito da Albertina, a cozinheira, tive um fraquinho por ela, mas o que lá vai lá vai); em Londres, com esta condução, já só paravam na choldra, com os papéis apreendidos e condenados à bicicleta (objecto que, estranhamente, ainda não vi por cá).

Assim, embora viesse a treinar pelo caminho o difícil, nasalado e um pouco tonto «ão-ão» dos quadrúpedes nativos - disseram-me, no aeroporto, onde vi algumas lágrimas de despedida, para não perder de vista a torre do castelo, que havia lá erva boa para rebolar - valeu-me a inata e precisa atenção canina para saltar bem para longe do asfalto de cada vez que um bólide assobiava com instintos mais assassinos que a orca assassina do filme onde a minha querida Rampling diz a frase que me  tem valido neste mundo cão entre os bichos de dois pés:  «If he [the orca] is like a human, what he wants isn't necessarily what he should get.»

E, depois choveu, o que contradiz de modo esclarecedor a publicidade enganosa da agência Sunvil, a tal que conseguiu vender os quatro bilhetes enquanto cantavam o  Show me the way to Alentejo - reparem bem onde é que andam as nuvens por aqui - vêem-nas em algum lado? Mas sou um cão optimista, enquanto rosno com o coro - sha-la-la la-la-a-a! - aguardo o sol prometido (e os dois nacos com que me acenaram aos 1´26´´).

Entretanto, confirmei que esta terra e esta gente anda em sentido contrário. Mais carros e carros com e sem bandeiras, a cruzarem-se por mim - contra mim -  numa frenética corrida ruidosa. Pareceram-me, talvez de um modo indeciso, alegres - que eu, para apanhar estas subtilezas tenho um faro bem treinado.

O Orelhas, um perdigueiro que andava perdido por umas estevas, enquanto insistia em andar às voltas como um carrocel - o que me ia pondo doido, se há coisa que tenho por desnecessária é esta procura do dono (ou vem ele ter connosco, ou mais vale não ter nenhum) - ainda me ganiu, doloroso, que a caravana ia para uma Cuba que não era a do Castro das balsas, nem dos naufrágios, nem dos charutos, nem da salsa latina, nem da abertura ao agora saudável e incentivado espírito empreendedor para o mundo dos  pequenitos negócios - ver o «Nosso Primeiro» - que é como quem diz, percebi, depois de muito ofegar -  o equivalente ao nosso Number 10, o David -  se bem que me pareça que o vosso tem a testa um pouco mais curta.

Fiquei comovido; mesmo que não quisesse, a minha cauda sacudiu-se, vigorosa, em reflexos inatos: ainda agora chegado no meu way to Alentejo e já me cruzo, no paraíso que me venderam, com as maiores sumidades políticas da Nação cúmplice, que connosco celebrou a mais antiga Aliança Diplomática do Mundo-cão civilizado! 

Para selar esta reflexão dei uma mijadela salerosa numa oliveira raquítica, implantada em terreno agrícola de 1ª classe. Isto sim, é vida!

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quarta-feira, 25 de maio de 2011

hello!

It´s an injustice, it is, que não me tenham destacado dos quatro turistas que compraram voos Heathrow/Beja - pois todos sabem que sou o único que decidi não voltar. Era o que faltava: chega de nevoeiro (péssimo para o pêlo) de smog (horrível para o olfacto), de rações secas (uma seca!), de café Stardust (bughh!...) e, sorry, My Lovely Queen, mas quem não chega aos luxos reais tem de fazer pela vida.

Fiquei logo rendido assim que saltei do porão: ar seco e quente, nada de fumos - não falo dos cubanos tão apreciados aqui pelo pessoal de terra -  cheiro a terra argilosa - uma delícia para um nariz delicado.

Ignoraram-me quando seguiram em correria para Évora - e eu, que até tinha interesse em ver uma casota que eles lá têm com ossos (a única nota digna de interesse que uma rafeira alentejana um dia me confiara sobre essa cidade, durante uma soberba mijadela nas belíssimas pedras da Abadia de Westminster) enrosquei-me com o pessoal de terra, e, como em Roma sê romano, tomei a pose de todos os que têm mesmo de ficar no aeroporto: ou seja, com o nariz no ar a ver passar, de dia e de noite, os mais variados objectos voadores - abetardas (muitas), cegonhas (quantas bastem), gaviões (dois), corujas (três), mosquitos (vários enxames, o que me faz pensar na urgência de arranjar uma coleira repelente).

Depois de três dias enfiado no aeroporto -  à espera de nem eu nem ninguém sabia o quê - e com os sonos difíceis por causa da quantidade de luzes brancas, vermelhas e azuis que não param de tremelicar, de dia ou de noite, dei por findo o meu período de adaptação e de quarentena junto dos nativos, e meti-me à vadiagem - coisa que já reparei ser muito prezada por estas terras - não sem antes ter marcado, em sinal óbvio do meu agrado, com uma pujante mijadela, o solo aeronáutico que nestas terras lusas me acolheu.

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