E... cheguei! Cheguei ao centro nevrálgico de Beja ainda ontem, dia cinzento, pelas minhas quatro patas. Entrei na Praça da República como um conquistador. Mas o sítio estava vago, sem público ou trombetas para me receber (embora estivesse erguido um palco - que, de animações callejeras percebo eu). Encontrei a Fifi, uma distinta bastarda de pequeno porte, a desafiar-me aos pulos e com latidos estridentes, com quem simpatizei logo.
O chão desta Praça é coberto por umas lajes brilhantes enormes - e percebi logo porquê. A Fifi explicou-me que, por baixo, há uma civilização ancestral enterrada. Fiquei emocionado por este assinalar da memória , através da junção destas múltiplas lápides funerárias. E, depois, quando chove - como ontem - é possível aos nativos exercerem a patinagem sem patins, correndo de um lado para o outro e deixando-se escorregar. Com a Praça solenemente fúnebre e, ao mesmo tempo, puxando à diversão, eu e a Fifi aproveitámos logo a possibilidade da patinagem, até ficarmos com os bofes de fora. Só nos acompanhou nesta loucura, a determinado momento, um trípede velhote (dois pés e uma bengala), pouco dotado para a brincadeira, pois estatelou-se logo no chão e ali ficou, sem conseguir levantar-se, a estrebuchar.
Como há muito tempo que não me passa um pouco de carne pelas beiças, aproveitei para matar saudades - sim, nós, os londrinos, não somos pedras insensíveis, também temos disso - e saltei-lhe em cima para lhe lamber, bem lambuzada, a cara. O homem ficou, pareceu-me, à beira da apoplexia, grunhindo, ofegante, no chão brilhante, e tentando sacudir-me. Felizmente, aquele centro do poder local de Beja continuava esvaziado de gente, e pude continuar a passar-lhe a língua pelas carnes secas - sem grande sabor, convenhamos.
Ainda há pouco, depois de um sono reparador sob as arcadas de uma simpática casa de habitação, pude verificar esta certeza: às 7:30h da manhã, em Londres, faça chuva, granizo ou sol (raro), nós, os canídeos livres, temos de ter cuidado com as centenas - senão milhares - de pernas, botas, sapatos e sapatilhas que transitam, em passo firme, para qualquer lado - eles lá sabem para onde, eu isso nunca percebi.
Aqui, tudo é diferente: a essa hora, o único que se atrevia a cruzar a Praça foi um gato magricelas riscado, a quem, em nome de instintos ancestrais que começam agora a vir-me ao de cima, dei uma corrida vigorosa (não corria atrás de um felino desde os meus tempos de adolescente, quando, ainda parvamente, procurava pertencer a essa legião que abanava o capacete à frente do Ministry of Sound). Ainda agora se encontra em cima da árvore para onde trepou, e claro, de onde não consegue descer.
I miss Fifi - recolheu-se a casa ontem ao anoitecer - para partilhar em pleno esta dupla vitória: cheguei, vi - e venci!
Sinto que estou no sítio certo: uma espécie de campo com umas casitas aqui e ali, as gentes recolhidas nas suas casotas. Para uma cidade de campo faltam-lhe árvores - mas a Fifi segredou-me que, para muita gente de duas pernas, elas são um inimigo a abater: as raízes levantam passeios, as folhas caídas enervam os diligentes proprietários dos carros - e, pior que isso, as árvores fazem lembrar, à maioria dos habitantes, as freguesias rurais de onde fugiram como o diabo da cruz em busca de empedrado, comércio chinês, água canalizada e televisão por cabo. É natural. Ainda vai levar algum tempo até que os filhos destes novos citadinos lhes atirem com os vasos de flores das novas varandas à cabeça, enquanto reclamam o património rural que já não existe - e, acreditem, isso vai acontecer.
O ar do campo revigora-me. Tenho fome. Lá terei de arranjar um pajem - alguém que me vá buscar comida e me dê umas festas no pêlo, de vez em quando. Tem de ser bem escolhido. Não quero nem uma carraça que me siga para todo o lado, nem uma pulga tonta saltitante que se esqueça de mim.
Vejo a Fifi! Será isto amor de festival?
I like it!
God Save the Queen and keep us fed and clean!
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