sexta-feira, 27 de maio de 2011

virtudes do ócio

E... cheguei! Cheguei ao centro nevrálgico de Beja ainda ontem, dia cinzento, pelas minhas quatro patas. Entrei na Praça da República como um conquistador. Mas o sítio estava vago, sem público ou trombetas para me receber (embora estivesse erguido um palco - que, de animações callejeras percebo eu). Encontrei a Fifi, uma distinta bastarda de pequeno porte, a desafiar-me aos pulos e com latidos estridentes, com quem simpatizei logo. 

O chão desta Praça é coberto por umas lajes brilhantes enormes - e percebi logo porquê.  A Fifi explicou-me que, por baixo, há uma civilização ancestral enterrada. Fiquei emocionado por este assinalar da memória , através da junção destas múltiplas lápides funerárias. E, depois, quando chove - como ontem - é possível aos nativos exercerem a patinagem sem patins, correndo de um lado para o outro e deixando-se escorregar. Com a Praça solenemente fúnebre e, ao mesmo tempo, puxando à diversão, eu e a Fifi aproveitámos logo a possibilidade da patinagem, até ficarmos com os bofes de fora. Só nos acompanhou nesta loucura, a determinado momento, um trípede velhote (dois pés e uma bengala), pouco dotado para a brincadeira, pois estatelou-se logo no chão e ali ficou, sem conseguir levantar-se, a estrebuchar.

Como há muito tempo que não me passa um pouco de carne pelas beiças, aproveitei para matar saudades - sim, nós, os londrinos, não somos pedras insensíveis, também temos disso - e saltei-lhe em cima para lhe lamber, bem lambuzada, a cara. O homem ficou, pareceu-me, à beira da apoplexia, grunhindo, ofegante, no chão brilhante, e tentando sacudir-me. Felizmente, aquele centro do poder local de Beja continuava esvaziado de gente, e pude continuar a passar-lhe a língua pelas carnes secas - sem grande sabor, convenhamos.

Ainda há pouco, depois de um sono reparador sob as arcadas de uma simpática casa de habitação, pude verificar esta certeza: às 7:30h da manhã, em Londres, faça chuva, granizo ou sol (raro), nós, os canídeos livres, temos de ter cuidado com as centenas - senão milhares - de pernas, botas, sapatos e sapatilhas que transitam, em passo firme, para qualquer lado - eles lá sabem para onde, eu isso nunca percebi.

Aqui, tudo é diferente: a essa hora, o único que se atrevia a cruzar a Praça foi um gato  magricelas riscado, a quem, em nome de instintos ancestrais que começam agora a vir-me ao de cima, dei uma corrida vigorosa (não corria atrás de um felino desde os meus tempos de adolescente, quando, ainda parvamente, procurava pertencer a essa legião que abanava o capacete à frente do Ministry of Sound). Ainda agora se encontra em cima da árvore para onde trepou, e claro, de onde não consegue descer. 

I miss Fifi - recolheu-se a casa ontem ao anoitecer - para partilhar em pleno esta dupla vitória: cheguei, vi - e venci!

Sinto que estou no sítio certo: uma espécie de campo com umas casitas aqui e ali, as gentes recolhidas nas suas casotas. Para uma cidade de campo faltam-lhe árvores - mas a Fifi segredou-me que, para muita gente de duas pernas, elas são um inimigo a abater: as raízes levantam passeios, as folhas caídas enervam os diligentes proprietários dos carros - e, pior que isso, as árvores fazem lembrar, à maioria dos habitantes, as freguesias rurais de onde fugiram como o diabo da cruz em busca de empedrado, comércio chinês, água canalizada e televisão por cabo. É natural. Ainda vai levar algum tempo até que os filhos destes novos citadinos lhes atirem com os vasos de flores das novas varandas à cabeça, enquanto reclamam o património rural que já não existe - e, acreditem, isso vai acontecer.

O ar do campo revigora-me. Tenho fome. Lá terei de arranjar um pajem - alguém que me vá buscar comida e me dê umas festas no pêlo, de vez em quando. Tem de ser bem escolhido. Não quero nem uma carraça que me siga para todo o lado, nem uma pulga tonta saltitante que se esqueça de mim.

Vejo a Fifi! Será isto amor de festival?

I like it!
God Save the Queen and keep us fed and clean!


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