sexta-feira, 17 de junho de 2011

Cacos de Beja

Uauf! - que me perdoem os leitores mais assíduos por esta ausência, mas fiquei de súbito incapacitado da pata direita para bater as teclas do computador: um acidente, sim, uauf!, provocado pela incivilidade de uns e a incúria de outros.

Então andam por aí algumas almas zelozas a olhar para o chão a ver se encontram um rasto de urina, umas fezes descuidadas que não tenham sido cuidadosamente depositadas numa moita, a ver se apontam o dedo inquisidor a qualquer cauda que abane (a inveja de nos verem felizes!...) e não baixam a cabecinha para cheirar e apreciar o rasto de imundície e descuido que só pode ser imputado a Vªs Exªs, os bípedes bejenses!

E então vai uma alma descuidada e alegre como a minha em passeio descontraído pela mata desta cidade - nitidamente um espaço que entrou em autogestão florestal - a ter de se desviar dos carreiros abertos por entre toneladas de folhas secas, galhos quebrados e um embaraço de plantas espinhosas, de modo a poder dar lugar aos pobres de Cristo que, mesmo à torreira do sol insistem em correr como doidos - mas... fugindo de quem, de quê? - porque, de olhos esbugalhados, coração na boca, pele desidratada e auriculares nos ouvidos já não vêem nada à frente, nem sequer uma hesitação para parar - e eu sou um gentledog, dou sempre passagem - e quando salto para o lado, tenho de ter a precisão de um pára-quedista em busca de terra firme, para não aterrar em cima de cardos, latas de refrigerante, sacos de plástico, tábuas com pregos,  brinquedos partidos, lenços conspurcados, garrafas de plástico, cacos de tijolo, e... de vidro!...

E pois, of course, ao princípio não senti nada, mas depois, sim, confesso, gani - não sei se da dor se da estupidez de me ter deixado espetar por um pedaço de vidro afiado - e foi a ganir e a coxear que me arrastei até casa. O meu pajem veio esperar-me ao terraço, e, ao ver o rasto de sangue, desmaiou de imediato. 

Uivei perante aquela inépcia de quem, afinal, me deveria tratar, chamando a atenção da minha querida Dona Margarida, que - eu sou um sentimental, que querem, esta opção vai ficar para sempre registada no meu hipotálamo - ao ver-nos a ambos - o meu pajem dormindo no chão, e eu, a uivar de dorida incompreensão, pegou em mim e levou-me para sua casa - onde cuidadosamente  retirou, com a pinça de depilar as suas farfalhudas sobrancelhas - com as quais trava uma inglória luta diária - o vidro agressor. Lavou-me a ferida com uma coisa escura que tem nome de estrela de cinema francês - Geraldine, Bettydine, já não me lembro, ou, como diriam os nativos de aqui, «nã me alembra que tenho a cachola fervente» - e, dando-me uma palmadinha no quadril, disse-me, confiante

- Vá, vai andando, qu´isso é carne de cão e é melhor secar ao laréu!

Dei-lhe uma lambidela por aquela do laréu, que me soou tão bem. Atravessámos a rua e o meu pajem continuava estendido, pelo que foi necessário dar-lhe uma mangueirada, que o acordou de imediato.

- Atã home, é assim que trata o canito? Tanta força p´rá vinhaça e nã tem tomates p´rum bocado de sangue, home dum cabrom! - atirou-lhe a Margarida, e voltou-lhe costas.

Fiquei ali sentado a olhar para a tentativa de levantamento do meu esforçado pajem - agora luzindo um alto roxo no centro da testa, em monstro ciclópico, como se tivesse sido caracterizado para um qualquer filme do Anderson - a tentar perceber aquela ligação entre o vinho, os tomates e o sangue - mas pressupus que se referisse a uma iguaria gastronómica. Fiquei encantado foi com o «canito».

Canito... canito...é musical, não acham? Uf... uauf... esta jornada alentejana cansa.

Que não nos faltem os sofás para as merecidas sestas.

God Save the Queen and keep us fed and clean!

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