quarta-feira, 1 de junho de 2011

she...

(...)

E assim, de repente, chego ao Parque da Cidade, que tem o cantinho mais bem-cheiroso de toda a cidade: o Jardim de Cheiros. Um autêntico delírio: aquilo será rosmaninho? E aqueloutro, jasmim? Distribuí mijinhas curtas e salpicantes por todas as plantas que encontrei, numa rega deveras equitativa - e saltei que nem um louco, embriagado por esta festança olfactiva.

E estava nesta cabriolada embriaguês quando me surge em frente a criatura mais divina que alguma vez conheci. Nunca, nem nos meus sonhos mais... hmmm... mais.... criativos, pudera imaginar semelhante beleza. Ela fitava-me, assim surgida à minha frente, de repente, num porte de natural distinção, assente em décadas de aristocrático apuramento genético. Engasguei-me, parei imediatamente os saltos, mas pensei que ia morrer: não conseguia respirar, o coração parecia querer saltar-me pela boca - de onde corria uma vergonhosa saliva, que não conseguia estancar - as pernas tremiam-me, estupidamente abertas para me conseguir manter em pé. Assim, a babar-me da canseira e pronto a desfalecer, quedei-me uma eternidade - entregando-me à visão daquela maravilhosa e enigmática Greta Garbo de pêlo felpudo.

E o que aconteceu a seguir... tenho bom coração, mas não sei se alguma vez lhe conseguirei perdoar.

Surgiu do nada, empunhando uma horrorosa trela, de olhos muito abertos, uma expressão no rosto capaz de afugentar um cherne com ambições de seguir rumo às estrelas (embora com dificuldades: Ad astra per aspera).  Ei-lo pois, o meu pajem, aquele que me deveria servir com deferência, pronto a humilhar-me em frente de toda a... a...!!!... Dela!!!... DELA!!!

Sem misericórdia - ou sequer uma ponta de solidariedade masculina - enlaçou-me o pescoço e começou a arrastar-me atrás de si, enquanto repetia que nem um possesso: «Junto! JUNTO!!!».

Ela começou a desaparecer no meu horizonte, sem se mexer sequer, qual deusa imune a qualquer impropério - e foi quando reparei no purgatório que se estendia à minha frente: dezenas de companheiros que pareciam ter saído de uma sessão de tortura de pentes, corta-unhas e tosquias enchiam aquele sítio - que de Mata passara a Parque - prisioneiros em gaiolas torcionárias, aguardando sabe-se lá o quê, enquanto outros troteavam o seu adestramento parolo numa exibição da lição nº1 de qualquer manual canino - seguir o «dono» ao lado da sua perna esquerda, vejam lá a dificuldade, ao comando de «junto, junto» - na esperança de levarem para casa - esperança humana, evidentemente - uma daquelas taças que se enchem de verdete ao fim de um mês (10 dias se a levarem para a minha doce Grã-Bretanha - de onde senti, pela primeira vez,  perante estes desagradáveis acontecimentos, aquilo a que vocês chamam de «saudade»)

Assim passei eu por aquela exposição de vaidades humanas - também ao comando irado do «junto» do meu pajem, mas arrastado pelo pescoço, o que lhe valeu risinhos trocistas e comentários jocosos por parte de vários especímenes da sua raça.

Chegados a casa, cada um foi para o seu canto - isto é: eu fui para o sofá. Esperava pelo jantar, quando, em vez da tigela, o vejo aproximar-se com um jornal enrolado na mão. Eu também conhecia os manuais, sabia o que vinha aí: um bater violento com o periódico no chão, e uma  indicação de «Não! Não!»; o jornal faz barulho e deverá assustar-nos, reforçando a ideia negativa - porque aliada a uma situação assustadora - do nosso comportamento. O culpado é um tal Pavlov,  uauf! 

Já vi companheiros de andanças urinarem-se só com este ruído aterrador. Mas não passa de um ruído. Se nos focarmos em que é o medo que nos tolhe, e que um jornal que é batido violentamente no chão faz, naturalmente, muito ruído, poderemos adormecer em paz, esperando a exaustão física  de quem o bate, como um louco, no soalho.

E foi o que aconteceu: fincou-se de joelhos no chão, com os seus olhos muito abertos à frente dos meus (eu já estendido no sofá, de pálpebras semicerradas) e, como quem implora,  dirige-se-me, estranhamente,  pela primeira vez, por monossílabos, repetindo-se muito: «Não! Não!» «Cão feio! Feio! Feio!» «Mau! Mau!» «Não foge! Não foge!...Nãããooo... »

Um pouco apreensivo com o estado cerebral do meu pajem - poderia ter ele comido algum pepino sem que eu reparasse? (às vezes, acontece) - adormeci tranquilamente com a imagem cintilante da (minha) Garbo.

Beja... I like it!

God Save the Queen and keep us fed and clean!


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